Malú Mestrinho

Apresentação

Olá!
Este é meu blog pessoal.

Aqui pretendo comentar sobre coisas que vi, ouvi e vivi.
Gosto de escrever e às vezes sinto um impulso de compartilhar... Como não sei exatamento com quem, resolvi criar este espaço e deixar que pessoas acessem e leiam quando quiserem.
Pretendo também escrever e trocar idéias sobre a arte do canto. Mais especificamente do canto que interpreta a música chamada erudita.

Malú Mestrinho
(em julho/2010)


sábado, 18 de setembro de 2010

José Maurício, o nosso compositor padre e mulato

Estou pesquisando dados para os Concertos Didáticos da FUNARTE, que começam semana que vem. Tarefa nada árdua. Adoro biografias e estou com tempo sobrando, de molho em casa, convalescendo de uma colecistectomia (cirurgia de retirada da vesícula).
O primeiro que pesquisei foi José Maurício Nunes Garcia (1767 - 1830), de quem faremos a singela modinha "Beijo a mão que me condena". UAU!!! Que vida! Que pessoa! Fiquei horas "navegando" entre links de documentos maravilhosos, que a internet nos permite acessar: manuscritos originais, o acervo da Biblioteca Nacional, o acervo do Cabido do Rio e outros... Vou postar links de alguns dos meus "achados" aqui.

Que orgulho ter um compositor de alto nível como ele. Foi o 1º músico profissional brasileiro, numa época em que o Brasil não era nada além de uma colônia de Portugal. Era filho de escravos. Imaginem o preconceito que ele sofreu! Cleofe Person de Mattos, pesquisadora que se dedicou à preservação e divulgação de sua obra, escreveu:
"Não se exige muita fantasia sobre o pouco que sabemos, para que se constate, nas entreluzes dessa existência, tôda a gama de dificuldade e incompreensão que teve de suportar pela simples condição de não ser branco, nem nobre, ou nascido no além mar. Sofreu cruelmente o desprezo da "aristocracia" que o cercava, ditado por um racismo e um jacobinismo injustificados. Situação agravada por ostentar qualidades que em nada o ajudariam à conquista do lugar que lhe cabia numa corte de bajuladores: a modéstia e a humildade."
Ele não era padre por vocação, mas se tornou um para poder estudar música. Isso fica claro, por ele ter tido uma mulher e com ela 6 filhos (!!!). O seu sacerdócio era a música e o ensino. Foi professor de muitos músicos que foram importantes também depois dele. E dava aulas de graça! Tocava bem, era excelente improvisador, que todo bom músico tinha que ser naquela época. Com a vinda da família real para cá, tudo mudou, inclusive para ele, que teve acesso a partituras e livros da Biblioteca Real e pode desenvolver mais ainda o que já tinha aprendido com os jesuítas.

Sua obra é enorme e importantíssima. Escreveu principalmente música sacra. Não fica devendo nada às missas de Haydn e seus contemporâneos europeus. Baixei o seu Requiem aqui:

Aqui tem um texto sobre ele no sítio da Academia Brasileira de Música, na qual ele é patrono da cadeira nº 5: http://www.abmusica.org.br/patr05.htm

Vou me privar de postar vídeos com músicas dele, pois achei um blogueiro que já o fez: 

Fiquei morrendo de vontade de ler a biografia completa dele, que a D. Cleofe escreveu, editada pela Biblioteca Nacional, que já me esteve nas mãos nas bibliotecas da vida... Está esgotado. Resta saber se a Biblioteca da UFMS tem (acho difícil!...).

Tem um sítio sobre ele, onde estão as partituras em pdf (no CPDL também tem várias). Mas, a apresentação está com defeito e vários links quebrados... pena!:

Tem um texto ótimo sobre ele na revista "Textos do Brasil" do MRE:

Adorei "folhear" o livro da exposição comemorativa dos 200 anos aqui: 

Um maravilhoso trabalho de restauração foi feito no Acervo Musical do Cabido Metropolitano do RJ. Lá pode-se acessar vários manuscritos de obras dele (coisa de rato de museu ...rs) : http://www.acmerj.com.br/

Por último, a imagem da 1ª edição de "Beijo a mão que me condena" de 1837, por P. Laforge, 7 anos depois de sua morte. Não consegui descobrir o que quer dizer o "R.S.P.M."...


Ave, José Maurício!

domingo, 5 de setembro de 2010

A tabuinha do Faustini

Meu professor, Zuinglio Faustini, me ensinou quase tudo que sei de canto e técnica vocal.
Ele tinha um método todo próprio (muito doido...) de encontrar o ponto de ressonância das vogais.
Triângulo de Hellwag
Usava  em suas aulas uma tábua com o triângulo de Hellwag desenhado por ele mesmo.
[Ah ... o famoso triângulo de Hellwag, que me fez ser reprovada em Fisiologia da Voz !!!...]
Era um quadrado de madeira, rústico, que ficava numa estante de música em sua sala da UnB.
Nós, seus alunos, fazíamos os exercícios (nada melódicos ...) olhando para aquela tabuinha:
iiiiiiiiiiiiii, aaaaaaaa, uuuuuu...
i - ê - é - a - ó - ô - u
...e outras combinações.
Era quase uma "neurose-benigna" tentar misturar os timbres das vogais numa ressonância só, alta, larga e profunda ao mesmo tempo: a base da sua técnica.
Lembro claramente das aulas, dos exercícios e da tabuinha.
Me formei em 1992. Zuinglio faleceu em 1999.
Passaram-se anos... tornei-me professora de canto.
Um belo dia, em 2007, o João Neto (colega de "estudos vocais-faustinianos") me deu de presente, na Escola de Música de Brasília, a tal tabuinha. Ele havia "herdado" parte do material do Zuinglio e achou que ela seria mais útil para mim, que sou professora de canto.
Guardei com carinho a tábua. Mas, a minha metodologia já era bem diferente da técnica das vogais do Faustini e usei pouco em Brasília.
Trouxe na mudança para Campo Grande.
Agora a tabuinha do Faustini habita a minha sala na UFMS.
Está lá, em cima de uma estante de música.
Esta semana, uma aluna achou interessante e perguntou se eu tinha feito o triângulo na tábua. Contei p'ra ela a história da tábua faustínica. Com o interesse e espanto dela, me dei conta do quanto é significativo ter aquela tábua ali.
Percebi que tenho o privilégio de usar com meus alunos um objeto que foi muito útil na minha propria formação.
Lá estão agora os meus alunos tentando igualar a ressonância das vogais: iii - aaa - uuu... e olhando para a tabuinha. Queira Deus que ela seja útil para eles como foi p'ra mim.
Zuinglio Faustini

Sou grata a Deus por ter tido o Faustini como professor.
Sou grata a Deus por ter herdado a sua tabuinha ...