Malú Mestrinho

Apresentação

Olá!
Este é meu blog pessoal.

Aqui pretendo comentar sobre coisas que vi, ouvi e vivi.
Gosto de escrever e às vezes sinto um impulso de compartilhar... Como não sei exatamento com quem, resolvi criar este espaço e deixar que pessoas acessem e leiam quando quiserem.
Pretendo também escrever e trocar idéias sobre a arte do canto. Mais especificamente do canto que interpreta a música chamada erudita.

Malú Mestrinho
(em julho/2010)


sábado, 8 de dezembro de 2012

A ópera da Oficina

Cartaz da ópera no Teatro Prosa do SESC-MS
O projeto Oficina de Ópera da UFMS acaba de apresentar 3 récitas da ópera Dido & Eneas de H. Purcell. Foi uma montagem experimental, mas em teatro, com orquestra, cenário, figurino, iluminação teatral, cravo e uma teorba no contínuo. Enfim "tudo que tem direito"...
Se alguém me perguntasse se eu produziria uma ópera, a resposta seria um "não" tachativo. Imagine, eu produzir uma ópera! Jamais... Acontece que o fiz. Mas, só consegui porque contei com muita ajuda. De Deus, de amigos e parceiros.
A motivação era dar aos alunos uma vivência em ópera. Já tínhamos feito um projeto-piloto ano passado, com La serva Padrona, de Pergolesi, feita em recital com piano. Eles pediram para continuar e fiz novamente o projeto, desta vez como um curso, onde estudaríamos Dido e Enéas. Montamos um coro/elenco de 17 alunos, que mostraram bom potencial. Dividimos os solos e começamos a trabalhar em abril.

As coisas começaram surpreendentemente a dar certo: a soprano Luciana Fisher aceitou meu convite para interpretar Dido. E entrou "em cena" o maior responsável pela realização: Evandro Higa, colega genial, que se dispôs a fazer toda a parte cênica, sem a qual não teríamos passado de um grupo de cantores estudando um libretto. Evandro idealizou uma montagem atemporal, com cenário e figurino simples, mas com bom efeito visual.

Em junho, veio a greve da UFMS e passamos a ensaiar no Centro de Arte Viva, que se tornou parceiro do projeto. A greve nos ajudou, pois pudemos ensaiar à noite, o que seria impossível durante as aulas. Conseguimos uma data no Teatro Prosa do SESC no final de novembro. E assim a Oficina virou um projeto artístico, trabalhando com uma apresentação em vista. Quando as aulas voltaram em outubro, a ópera já estava toda lida e os ensaios cênicos adiantados.

Para levantar fundos, fizemos camisetas para vender e um recital em outubro no Centro de Arte Viva. Elosande Camondá participou conosco, acompanhando os cantores da oficina e solistas convidados. 
Recital da Oficina de Ópera (06/10/2012) - Centro de Arte Viva, com Elosande Camondá
Queria muito fazer a ópera com uma orquestra de cordas, coisa difícil por aqui. O maestro Eduardo Martinelli da Orquestra Sinfônica Municipal de Campo Grande aceitou o convite/desafio. Como contrapartida, pediu que apresentássemos a ópera no Festival Encontro com a Música Clássica no início de novembro. Foi nossa pré-estréia: dia 08 de novembro, Teatro Glauce Rocha, tendo no contínuo a cravista Regina Schlochauer, que o Festival trouxe. Evandro fez uma luz linda. É um louco adorável: além de dirigir a cena, afinou e operou a luz. Teatro lotado, muito nervosismo, alguns desencontros... mas o saldo geral, extremamente positivo. Ver o resultado de 6 meses de trabalho concretizado e realmente acontecendo,  foi indizível!

Foi a estréia de Dido & Enéas em Campo Grande e no Mato Grosso do Sul, além de ser a 1ª produção operística da UFMS. Fazer com orquestra e cravo foi uma realização muito significativa para o projeto. Não sonhávamos com isso quando montamos a Oficina no início do ano.

Além de Luciana Fisher, tivemos Angela Bessa como convidada no papel da Feiticeira. Todos os outros papéis foram feitos por alunos, alguns iniciantes. Na oficina, não fazemos diferença entre solistas e coro. Todos são elenco, todos tem um personagem e todos cantam os coros. Apesar da pouca (ou nenhuma) experiência, os cantores fizeram um trabalho fantástico. Me encheu de orgulho.

Para as récitas do dia 28/11, no Teatro Prosa, que é bem menor, fizemos algumas adaptações. A orquestra tocou no palco, atrás da cena. E 2 solistas tiveram que ser substituídas. Tivemos Regina Schlochauer novamente conosco no cravo. Juntaram-se a ela no baixo contínuo o celista Marcelo Gerônimo e Bruno Correia, teorbista carioca com quem tivemos  o prazer de contar.

Valeu a pena. Ver meus alunos crescendo como cantores, preparando personagens e se tornando intérpretes é muito gratificante! Cada um da Oficina trabalhou muito. Alguns além de cantar, fizeram parte da equipe de produção. Agradeço a todos o trabalho!

Os cantores da oficina, com a camiseta do projeto.
A bela música de Purcell ainda ecoa em nosso ouvidos...
Uma frase que me encantou desde o início e marcou todo o processo, encerra o 1º ato da ópera: 
"Let the triumphs of love and all beauty be shown!"
Esta foi nossa intenção: revelar os triunfos da beleza e do amor. Porque, este foi um trabalho belo e cheio de amor.



Equipe da Oficina de Ópera - projeto Dido & Enéas:
Direção musical e vocal: Malú Mestrinho
Concepção cênica, direção cênica e figurinos: Evandro Higa
Orquestra: Orquestra Sinfônica Municipal de Campo Grande
Baixo Contínuo: Regina Schlochauer (cravo), Bruno Correa (teorba), Marcelo Gerônimo (Violoncelo)
Regência: Eduardo Martinelli
Monitores/ensaiadores: Eduardo Machado, Marjorie Matsue, Luma Heyn
Assistente de produção: Renata Correa
Confecção de figurinos: Lúcia Amaral e Luana Oliveira
Tradução: Rui Esteves (adaptação: Malú Mestrinho)
Legendas: Malu Mestrinho (texto) e Rodrigo Faleiros (operação)

Elenco:
Dido: Luciana Fisher
Eneas: Eduardo Machado
Belinda: Marjorie Matsue
Feiticeira: Angela Bessa e Malú Mestrinho
Segunda mulher: Monica Marques
Primeira Bruxa: Renata Correa
Segunda Bruxa: Luma Heyn e Cinara Baccili
Marinheiro: Vinny Correa
Espírito: Alexandre Melo
Nobres cartagineses, bruxos e marinheiros:
Lívia Braga, Lúcia Amaral (sopranos)
Lohaine Martins, Loisilene Souza, Hadassa Sylvestrinho (contraltos)
Afonso Flash, Bruno Godoy (baixos)

Realização: Projeto de extensão OFICINA DE ÓPERA DA UFMS 
Coordenação do projeto: Malú Mestrinho
Parcerias e apoios: Curso de Música/CCHS/UFMS; Escola de Música da UFMS; Centro de Arte Viva; OSCG e FUNDAC-MS; SESC-MS; Festival Encontro com a Música Clássica; Marcelo Fernandes

 

domingo, 23 de setembro de 2012

Um pouco sobre Callas


Esta semana revi alguns vídeos de Maria Callas (1923-1977) no youtube, motivada pelos 35 anos de sua morte. Ela foi um marco e é uma referência enorme para todos nós cantores....  Pode-se dividir o canto lírico no séc. XX antes e depois de Callas. Fiquei tentando lembrar quando a ouvi, o que ouvi e estudei sobre ela...
      Acho que a primeira lembrança que tenho é da infância: meu pai ouvindo uma Lucia di Lamermoor no rádio do carro. Era a rádio MEC - AM, que ele ouve até hoje. Aquele programa que tocava a ópera inteira. Nós chegamos no lugar para onde íamos, mas ele não saiu do carro. Porque era o último ato da Lucia e era Maria Callas. Então ele tinha que ficar e ouvir até o final a cena da loucura. Que loucura! Minha mãe: "Vamos, meu bem!", mas, não houve o que o movesse. Ela, zangada, saiu do carro e meu pai ficou ouvindo. Eu não sabia quem era Callas, nem o que era canto. Naquele momento, era apenas uma cantora capaz de fazer meu pai se atrasar para um compromisso! Lembro de ouvir comentários sobre a voz dela, sobre ela com Onassis e depois sobre a morte. Eu era adolescente, estudava piano...
       Quando comecei a estudar canto, não gostava de ópera e ouvia pouco. Mas falava-se tanto, que fui atrás de ouvir. Lembro de ouvir na casa do Faustini, meu professor de canto, em vinil ainda, acho que uma Traviata. Ele comentava que ela desafinava às vezes, mas a interpretação era tão intensa, que parecia fazer parte...
       Anos depois, em 1994, recém chegada na UFU, como professora, ganhei um VHS com um concerto dela de 1959. Assisti várias vezes. Foi a primeira vez que assisti Callas. Neste concerto, me chamou a atenção ela ficar durante a abertura inteira de uma ópera no palco, um tempo enorme, e já no personagem. Que força no olhar! Que máscara facial impressionante! E não fazia "a cena" (como muitos cantores querem fazer em concerto e fica ridículo...) mas as intensões estavam todas lá.
Lembro que me impressionou a leitura da carta na ária de Macbeth e adorei Una voce poco fa. Os aplausos eram longos e ela voltava ao palco várias vezes.
    Quando vi o filme Filadélfia, fiquei curiosa para ouvir a ária La mamma morta (Andrea Chernier/Giordano) da cena famosa, onde o personagem de Tom Hanks comenta a interpretação de Callas. Eu não conhecia esta ópera e peguei emprestado um disco com Edmar Ferretti. Naquela época não era tão fácil, não havia internet, nem youtube.
      A partir daí, os CDs proliferaram e eu comecei a cantar ópera, conhecendo o seu mundo, palco, maestros, personagens, figurinos. Comprei alguns e ganhei vários CDs de Callas, com várias árias e partes de óperas. Só tenho inteira uma Tosca dela. Passei a conhecer melhor seu repertório, seu estilo, suas coloraturas e cadências. Usava exemplos em aula. Lembro de comentar numa palestra a sua interpretação da Habanera em concerto. Ela erra muito a letra, mas sua atitude é como se estivesse tudo perfeito.
Outra lembrança que tenho é da peça "Master Class" onde Marília Pera interpreta Callas. Assisti em 1996, em São Paulo. Eu estava fazendo uma ópera na época (Maria Tudor/C. Gomes). Então, todo o texto, baseado nas aulas que ela deu na Juliard, foi muito significativo e me marcou.
Depois li uma biografia dela e passei a saber detalhes da vida e carreira.
       Enfim, hoje temos a facilidade de ouvir Callas com apenas alguns cliques. É possível baixar inteiras as óperas que ela cantou. A tecnologia imortalizou sua voz, seus gestos, sua atitude no palco, que servem de exemplo numa época de confusão e deturpações do que é cantar. 
       Para quem quiser, deixo alguns vídeos do que comentei acima: 

"Nel di della vittoria" (Macbeth) - Concerto de 1959:

"Una voce poco fa" (Barbieri de Seviglia) - mesmo concerto:

Cena do filme Filadelfia:

Habanera (Carmen) - 1962, com vários erros de letra... :






segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Eu e o piano

Tenho tocado muito piano ultimamente. Tanto que minhas unhas, qua já não cortava tão curtas, quebraram. Olhando para trás, vejo como o piano foi e é importante para mim.
Minha relação com o piano já teve várias fases.
Comecei a estudar piano aos 5 anos de idade, quando nem piano tinha e minha professora escrevia na caderneta: "estudar na ponta da mesa". Eu olhava a partitura, imaginava o teclado do piano e tocava na mesa. Talvez venha daí o costume de mover os dedos, tocando um piano imaginário até hoje...
Ganhei meu primeiro piano aos 9 anos, em Brasília. Jasão. Ele tinha um som lindo. Era um Essenfelder com o nome "fantasia" de W. Tuller. Sofreu muito com as mudanças e a falta de dinheiro para manutenção até não ter mais jeito. Tive outros 2 depois, com som estridente. Nunca esqueço o som aveludado do meu Jasão.
Já amei o piano, dedicando horas do meu dia estudando, lendo partituras novas, fazendo técnica... foi meu companheiro de intermináveis tardes na adolescência de poucos amigos. Preferia ele à televisão.
Já o desprezei. Ficou quase 1 ano inteiro fechado em casa. Contraditoriamente, no meu primeiro ano de música na universidade. Percebi que meu solfejo era restrito à relação que fazia com o tocar piano. E eu queria solfejar independente disso, em qualquer tom. Além disso, Bohumil Med dizia que a terça maior de todo pianista é baixa, por causa do temperamento. Nesta época, detestei tocar piano e pensei "porque meus pais não me colocaram para estudar violino". Que absurdo!
Ainda na fase da negação, tentei estudar outros instrumentos. Escolhi os que gostava mais da sonoridade: clarineta e viola. Desisti da clarineta na primeira aula com o Gonzaguinha, por causa de um teste de sopro que não consegui fazer (depois tive que estudar respiração um monte para ser cantora...). Estudei viola, mas não fui muito longe. Enveredei pelo estudo do canto, sem muitas expectativas, e deu mais certo do que eu e Zuinglio Faustini esperávamos... E troquei o piano pelo canto.
Mas, nunca consegui ficar longe dele. O fato de tocar piano me ajudou como estudante e ajuda muito até hoje na minha profissão dupla de cantora e professora de canto.
Lembro que quando entrei na Escola de Música de Brasília como professora de canto, não tive coragem de dar aula, pela falta de experiência e medo da responsabilidade. Fui correpetidora por um ano, observando as aulas dos outros professores. 
No mestrado, meu trabalho foi sobre o repertório de canto sem piano. Minha motivação foi a forte dependência dos cantores com o piano. Adorei cantar com outros instrumentos.
Hoje, não tenho piano em casa há quase 3 anos. Como me faz falta! Encontrar uma partitura e não ter como sentar no piano pra ver como soa, ou para lembrar ... É horrível! Olho para o lado e não tem um piano aqui! Como assim? Pelo menos eu tenho um na minha sala na universidade. E olha que não foi fácil conseguir uma sala com piano lá.
Costumo dizer que sou pianeira. Porque a técnica há muito foi abandonada. Mas tenho boa leitura e como nunca deixei de tocar, me viro bem tocando para estudar e para meus alunos.
Agora em meio a um projeto (louco) de montar uma ópera com eles, fiquei sem pianista! No caso de extrema necessidade, lá estou eu exercendo o papel de pianista. Não sou digna do título, mas exerço a função. Estou me divertindo...



sábado, 23 de junho de 2012

"Dicas pra você menina bonita, que está pensando em dar seu primeiro recital

Sabe quando a gente lê um texto que queria ter escrito? Aconteceu comigo esta semana e resolvi em vez de "plagiar", pedir autorização da autora  para publicar. Aqui vão então, ótimas sugestões para jovens cantoras de como preparar um recital, por Carolina Faria:



"Repertório:
Comece pensando em três pequenas sessões de 15 min no máximo. 35 min de música + conversê + aplausos = 50 min de espetáculo. (Perfeito, porque o povo vai pedir mais (muito melhor garantir público para sua próxima apresentação, que fazer o povo fugir ao ouvir seu nome anunciado, né? Recital barroco ou de canções fúnebres inspiradas em ritos arcaicos da Patagônia de 1h45 só a misericórdia!) 

Roupas:
Use coisas que não caiam nem precisem ficar sendo ajeitadas, tipo estolas malditas de chiffon de 50 cm. Fazenda, serra, são frios à noite. Se você for cantar ao ar livre não tenha medo de ficar menos elegante por usar uma roupa mais fechadinha ou meia-calça reforçada. O vibrato precisa ser natural, não resultante do queixo batendo, de preferência (em Petrópolis uma vez dei recital com este vibrato). 

Calçados
Use um sapato bacana mas que te permita cantar 1h e receber cumprimentos por outra sem que te dê desejo de chegar em casa e jogá-lo no incinerador (eu fiz isto no recital de formatura - paguei 20 reais num salto 12 que me custou a alma!).

De cor, por favor! Caso precise da partitura não se esconda atrás dela. 

Seja gentil. As pessoas querem sim contato com o artista. Lembre-se que elas foram ao cabeleireiro, gastaram táxi e dispuseram do seu precioso tempo para lhe ver. Perda de tempo com agradecimentos e abraços não são para os fracos. Muitas vezes vamos a um recital ou concerto e ficamos tão extasiados que a única forma de expressar e retribuir a experiência que o artista nos proporcionou são um aperto de mão ou um muito obrigado, né? As pessoas podem querer exatamente esta chance com você, e você pode sim esperar mais uma horinha antes de ir pro camarim relaxar. Retribua e honre a presença do público com uma postura grata e gentil. 

Cachê não é um favor que lhe fazem. O dinheiro é fruto do seu trabalho, e precisa ser encarado com naturalidade e seriedade. 

Carolina Faria" 
___________________________
Valeu Carolina!

Conheça o trabalho da autora do texto: http://www.carolafaria.com/


Acrescento, por minha conta:

#No repertório, escolha coisas que você realmente dá conta de cantar bem e não algo que você sonha cantar. Ouça a orientação de seu professor...

#Na roupa, prefira um vestido longo (ou saia) a um curto chiquérrimo. Pouquíssimas cantoras ficam bem de pernas de fora... 

sábado, 9 de junho de 2012

Sobre canto coral

Cantata - Armando Barrios
Cantar em coro faz parte da vivência do cantor.
Como boa batista, cantei em coro desde pequena. Na igreja batista tem (ou pelo menos tinha...) o coro infantil, o coro de adolescentes, de jovens, de adultos e outros... Cresci ouvindo coro e cantando em coros. Ainda adolescente participava do coro principal das igrejas, pois ia com meus pais aos ensaios.
Depois que passei a estudar música, além de cantar, regi coros, fui pianista e preparadora vocal de vários coros.
Mas, durante algum tempo, cansei de coro. Cantei profissionalmente por vários anos em coros e isso leva a uma postura utilitária, proletária, funcional para o cantor. Perdi o encanto pelo canto coral... e pra mim, canto sem encanto não funciona. Abusei! Não queria nem ouvir falar! Lembro de me incomodar em ter que participar de eventos com coro, e não querer nem ouvir coros!

Passou... Estou curada. Acho que foi o painel de regência coral da Funarte, que trouxe Samuel Kerr e Izaíra Silvino a Campo Grande ano passado, a dose final do remédio de cura. Olhando para trás, vejo que devo muito da minha formação como cantora e musicista ao canto coral. Na verdade foi a partir de um coro que resolvi estudar música e depois canto na universidade. Foi no coral da UnB, onde cantei entre 1982 e 1984. Nelson Mathias, grande maestro coral, fazia mágica com aquele grupo de jovens inexperientes, mas cheios de vontade de fazer música cantando. Aprendi com ele sem ter aula... Com suas atitudes, palavras, gestos, com o som que ele extraia do coro. Larguei o curso de letras pelo de música e depois troquei o piano pelo canto...
O canto coral é fundamental na formação de qualquer músico. Muito mais na de uma cantor. Todo cantor deve cantar em coro. O prazer de realizar obras sinfônico-corais com orquestra, num bom coro, com um bom maestro é único. Lembro da emoção de cantar a Missa em Si m de J. S. Bach no coro da Escola de Música de Brasília, quando estudava na UnB. Maestro Gerald Kegelmann. Inesquecível! Talvez por ter sido a 1ª grande obra coral que cantei.
Mas é o canto coral a capela que mais me agrada. Vozes unidas em harmonia perfeita, sem interferência de instrumentos...
Já ouvi de alguns cantores que não cantam em coro, pois estudaram para serem solistas. Acham que cantar em coro é atividade secundária. Engano. O bom cantor tem que saber moldar seu som para cantar em grupo. Tem que saber fazer bem música de câmara e coral. Voz é instrumento e quem domina seu instrumento, tem que saber manejá-lo conforme o contexto. A relação do cantor com um coro é proporcional à de um violinista/instrumentista com uma orquestra. É onde ele desenvolve afinação, percepção, dinâmica, articulação, fraseado em conjunto. Aprende a ouvir e moldar seu som no contexto do grupo. 
Recomendo a todos que querem cantar bem e dominar seu instrumento/voz, em qualquer estilo: CANTE EM CORO!

domingo, 27 de maio de 2012

Porque cantar?

"Cantoria" de A. Barrios
As vezes penso em porque cantar...
Porque insistir em continuar estudando, cantando, buscando a sonoridade adequada para um repertório?
Parece que já cantaram tudo. Canta-se em todo o lugar. Tantas gravações.  Gente mais nova que eu e já cantando tão bem! Recitais, concertos, festivais, cursos, workshops e shows por toda a parte...
E me vem a sensação de que não vai fazer diferença se eu parar. Ja tem tanta gente fazendo o que eu faço, cantando o que eu canto. E penso que só me restaria cantar o inédito. Então vem com força uma urgência em pesquisar e estudar coisas novas.  Em sair em busca de um repertório diferente, que ninguém canta. Ao menos, seria um pretexto para continuar cantando...

Mas isso é quando penso pouco, superficialmente. Porque, se presto atenção e vou no fundo do porque, se passo a lembrar do que me fez chegar até aqui, percebo que não posso parar. Não canto para ser diferente. Não canto para chamar a atenção e ser única, ou especial. Canto porque é preciso. Canto porque eu preciso. Canto porque é minha missão, meu trabalho, meu prazer. E canto porque sei que estou aqui para cantar. Não tenho dúvida disso. 

Ora, não comecei ontem. Estou nesta estrada há algum tempo. Já passei por altos e baixos. Ja passei por esta crise do "porque cantar" antes. E sempre, se penso um pouco mais, se vou um pouco mais adiante, eu sei que tenho que cantar. Sei que vou continuar cantando. Mesmo que seja o que ja cantei. Mesmo o que vários cantam, ou já cantaram, mesmo que alguém cante até melhor do que eu. 

Porque sempre tem alguém que nao ouviu. Sempre tem alguém que vai gostar, pra quem vai fazer diferença. E os que estão ao meu alcance é que são o meu público alvo. E mesmo que seja só um, já vale a pena. 

"... E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar,
É preciso cantar e alegrar a cidade"
(Vinícius de Moraes)

É preciso alegrar as pessoas, dar-lhes algo de bom. E o que tenho de melhor é o meu canto. Mesmo imperfeito...

Sim, cantar é preciso.
Então, sigo cantando...
Enquanto voz  houver em mim.

terça-feira, 27 de março de 2012

O instrumento de Elena


[...Em tempos de impossibilidade de escrever, 
aproveito para postar a história de Elena]
Maria Lucia Godoy cantando...

Ao entrar na sala e ouvir aquelas vozes cantando juntas em harmonia, arrepiou-se toda. Tão perturbada, que teve receio que todos notassem. Não pode conter um sorriso, sentindo de certa maneira que estava entrando em casa, apesar de nunca ter estado ali. Recebeu uma partitura que não era capaz de decifrar. Mas sabia que ali estavam escritos os sons que ela ouvia. Por isso, aquele estranho gráfico em suas mãos era belo.

Elena não cantara muito. Tivera uma infância difícil, com pouco lazer e pouco brinquedo. Trabalhou desde pequena e cantar sempre dava a aparência de distração, falta de empenho no trabalho, o que era fortemente inibido por repreensões.
Mas, amava música, desde sempre. Sua avó cantava para ela quando era pequena e murmurava enquanto costurava. Nas festas, Elena era atraída pela banda no coreto, e ficava ali vidrada, ouvindo admirada. Não entendia como outros podiam passar pela banda, sem nem olhar. Música para ela não era plano de fundo, era o principal. E sonhava, olhando para os instrumentos, que um dia aprenderia a tocar um. Aqueles compridos em que se soprava eram os que mais lhe chamavam a atenção. Cantavam como sua avó.
Nas missas, Elena ansiava pelo momento em que a beata com sua voz esganiçada cantava o salmo. Não era a beleza da voz que a encantava. Era o canto em si. E quando ficava sozinha, momentos raros, Elena tentava cantar, bem baixinho. Percebia que a voz era como um instrumento dentro dela mesma. E tentava repetir as melodias que ouvira na missa, ou nas festas. Mas, por cantar raramente, acabava por esquecer as canções. Mas, a melodia que a avó cantava quando pequena ela nunca esquecia. E quando lhe faltavam melodias mais recentes, era o canto antigo que lhe vinha à mente e à voz. Às vezes, apenas murmurava como a velha fazia costurando.
Já crescida, foi para o Rio de Janeiro, trabalhar como passadeira e ficou encantada com o rádio. Ouvia o rádio dos outros e ficava torcendo para que deixassem na estação que tocava música. Mas, os outros sempre preferiam as novelas. Até que pode comprar seu próprio rádio de pilha usado e aprendeu a sintonizar em cada estação no momento dos programas musicais. Dalva de Oliveira, Noel Rosa, Cartola, Silvio Caldas tornaram-se seus ídolos. Descobriu uma estação que tocava concertos clássicos. Que sons eram aqueles? Aquela música era diferente. Tinha uma força maior, que ela não sabia explicar, mas passou a ouvir sempre.
No Rio podia cantarolar, que não incomodava nem as patroas. A música fazia parte da vida do carioca e ela gostava daquela alegria do samba, da batucada. Mas, pela falta de costume, era acanhada para cantar. Decidiu ficar lá para sempre, apesar de trabalhar muito, ganhar pouco e morar mal. Começou a estudar à noite e para ir à escola descansava menos ainda. Mas valia a pena. Aprendeu rápido a ler e escrever, encantada com a comunicação escrita que podia ler nas ruas, nos bondes. Um dia viu no jornal notícia de um concerto na Quinta da Boa Vista. Naquele dia não foi passar roupa de ninguém, se aprontou desde cedo. Aprendeu o itinerário dos ônibus e foi sozinha, pois seus vizinhos não se interessaram. Chegando lá, acomodou-se na grama e esperou ansiosa. Ao por do sol, ouviu boquiaberta a 9ª sinfonia de Beethoven, impressionada com o tamanho da orquestra. Tantos instrumentos! Tantos sons... Mas o momento máximo foi quando as vozes entraram no movimento final. Vozes humanas se misturando com os sons da orquestra. Um grupo grande de cantores. Aprendeu depois que se chamava coro. Chorou. Não pode se conter. Que maravilhosa experiência. Naquela noite não conseguiu dormir, repassando na memória cada detalhe, cada momento. Lembrava da melodia o tempo todo nos próximos dias. Aquela ficaria na sua memória para sempre, como a da sua avó. Cada vez mais ia se soltando e cantarolava passando roupa.
Terminou o curso primário rapidamente e ingressou no ginasial noturno. Certo dia, um professor foi à sua escola falar sobre a seleção para um orfeão. Ele explicou que era um coro, onde qualquer um, que tivesse aptidão, podia cantar. Ela se inscreveu para a seleção, feliz com a possibilidade de cantar e ao mesmo tempo apreensiva de não ter a tal aptidão. No dia do teste, pediram que cantasse uma série de sons repetidamente, o que ela fez com certa facilidade. Depois teve que repetir de memória uma melodia que foi tocada. E por último, lhe pediram para cantar qualquer canção que soubesse. Mesmo que seu repertório de melodias houvesse crescido bastante nos últimos tempos, o que lhe veio à mente foi a cantiga de sua avó. Respirou fundo, fechou os olhos e com a voz emocionada entoou a canção antiga, que lhe acompanhara toda a vida. A canção brotou de seu interior forte e clara, como se a avó cantasse através dela. Foi a primeira vez que cantou em público para alguém. Ao abrir os olhos, leu nos rostos dos avaliadores que fora bem sucedida. Mas devia esperar alguns dias pelo resultado final, que seria afixado no quadro de avisos da escola. Passou os próximos dias numa enorme ansiedade. Corria para a escola para olhar o quadro e olhava-o várias vezes no mesmo dia, nos intervalos das aulas. Até que finalmente o aviso foi colocado, com seu nome entre os escolhidos. Soprano. O que seria aquilo? Perguntou à sua professora de português, que lhe era mais acessível e ela explicou que era uma classificação vocal para vozes agudas. Recomendou alguns livros sobre canto coral e Elena passou a ir mais à biblioteca para ler sobre música, coro, orfeão.
No dia marcado, Elena se dirigiu para o endereço indicado para o ensaio, que ela freqüentaria assiduamente, durante anos. Tornou-se corista da Associação Coral do Rio de Janeiro. Realizou um sonho: aprendeu a tocar um instrumento. Não era como aqueles da banda de sua infância. Seu instrumento ficava dentro dela. Cantar passou a ser sua realização. Era algo que ela entendeu que nascera para fazer.
Desceu as escadas do auditório lentamente naquele primeiro dia, com a partitura na mão, olhando fixamente para o maestro lá na frente. Ele parecia moldar os sons no ar. Sentou-se perto dos sopranos. A moça ao seu lado sorriu e lhe mostrou na partitura em que parte da música estavam. Elena demorou um pouco a conseguir emitir algum som, emocionada. Logo aprendeu a acompanhar naquele gráfico os sons que deveria cantar. Elena agora canta sempre, nos ensaios, nas apresentações, na rua e passando roupa. Elena é cantora.

agosto de 2011