Malú Mestrinho

Apresentação

Olá!
Este é meu blog pessoal.

Aqui pretendo comentar sobre coisas que vi, ouvi e vivi.
Gosto de escrever e às vezes sinto um impulso de compartilhar... Como não sei exatamento com quem, resolvi criar este espaço e deixar que pessoas acessem e leiam quando quiserem.
Pretendo também escrever e trocar idéias sobre a arte do canto. Mais especificamente do canto que interpreta a música chamada erudita.

Malú Mestrinho
(em julho/2010)


quarta-feira, 11 de março de 2015

Sobre o estudo do canto

(Para Sandro Lima, que me fez pensar sobre isso.)    


     Por circunstâncias pessoais, estou há duas semanas afastada da sala de aula e longe dos meus alunos de canto. Estou corrigindo por e-mail tarefas que eles me mandam, que chamo de "Notas de contexto", sobre as obras que estão estudando e as traduções de seu repertório. Estou também orientando (via chat digital) um aluno que prepara seu primeiro recital. Fico, daqui de longe, lendo o que escrevem, percebendo suas dificuldades. E penso, concordando com eles: como é difícil estudar canto! São tantos os aspectos que envolvem este aprendizado. Os jovens estudantes, que já são uma exceção na sociedade, por se interessarem pelo canto erudito, entram nos cursos atraídos pelo repertório, provavelmente pela ópera. Ou pela técnica vocal, a possibilidade de cantar com "aquela voz", de ser um artista lírico. Só que... acho que entram meio enganados (coitados!) pois não sabem tudo que terão que passar e aprender para chegar a interpretar bem um Lied, ou uma ária de ópera. Vejamos:

# Tem que saber música (isso eles já sabiam). Mas tem que ser um bom músico e dominar muito bem uma das partes mais exigentes desta arte: o solfejo.

# Tem que dominar técnica vocal num nível muito alto, porque a arte que escolheram para exercer é a mais exigente neste aspecto. Exercícios diários são fundamentais.

# Tem que dominar a pronúncia de (no mínimo) seis idiomas, além do seu próprio. O repertório do canto está escrito nas línguas ocidentais tradicionais e deve ser interpretado na língua original em que foi escrito. Os estudantes/cantores brasileiros tem que cantar em italiano, francês, inglês, alemão, latim, espanhol. Além do bom português, que por incrível que pareça, às vezes, é mais difícil de cantar com a voz bem colocada, do que as outras línguas.

# Tem que compreender totalmente o texto de cada ária/canção que estão estudando/cantando, na maioria das vezes em língua estrangeira. Às vezes são poesias muito antigas, parnasianas ou simbolistas, que mesmo traduzidas para o português são difíceis de entender. 

# Tem que dominar a arte da "Declamação Lírica"(lembro que no currículo de canto da UFRJ havia uma disciplina com este nome). Não só compreender a poesia, mas saber dizê-la, senti-la, encontrar suas inflexões e a força expressiva de cada palavra. 

# Tem que conhecer muito bem expressão corporal e saber usá-la. Saber perceber e dominar sua postura, a expressão facial, seu gesto, para que sejam harmônicos com o que cantam, sem exageros. Dominar o equilíbrio entre o relaxamento e a tensão da musculatura do seu corpo, que é o seu instrumento. 

# Tem que dominar a arte dramática, pois o cantor lírico é também um ator. Ópera é teatro. Cantar bem não é suficiente. Tem que atuar bem, dominar o espaço cênico, assumir cada personagem e os diversos sentimentos que eles trazem em cena, seja na comédia, ou no drama.

     Na verdade, cada um destes aspectos é apoio para o outro. São interagentes, como fios de uma trama. A trama que forma o cantor. Infelizmente, quatro anos de um curso de graduação superior não é capaz de tecer esta trama. As atividades extra-curriculares são fundamentais: festivais, oficinas, montagens, cursos de línguas e outras vivências.

     Há ainda outros aspectos, que nenhum curso ou disciplina ensinam. O cantor lírico tem que ter boa cultura intelectual, conhecer arte de uma forma geral, saber se vestir adequadamente, se portar bem em público – ser bem educado. Por último, o cantor tem que ter equilíbrio emocional, pois vai enfrentar muita pressão, numa profissão onde nem sempre a competência é critério suficiente para o sucesso. 

     Não é fácil, mas é empolgante e vale a pena. Uma das coisas mais gratificantes é cantar bem, seja num recital, concerto ou ópera.

     Para mim, é um trabalho estimulante orientar os estudantes, pelo menos nos aspectos que estão ao meu alcance. Fico hoje curiosa, pensando em quem dentre os meus alunos de hoje, alcançará a carreira de cantor lírico no futuro. Hoje, são todos cantores em potencial. Faço a minha parte, exigindo, estimulando e tendo o prazer de perceber o crescimento a cada semestre.


C A N T E M O S !