Malú Mestrinho

Apresentação

Olá!
Este é meu blog pessoal.

Aqui pretendo comentar sobre coisas que vi, ouvi e vivi.
Gosto de escrever e às vezes sinto um impulso de compartilhar... Como não sei exatamento com quem, resolvi criar este espaço e deixar que pessoas acessem e leiam quando quiserem.
Pretendo também escrever e trocar idéias sobre a arte do canto. Mais especificamente do canto que interpreta a música chamada erudita.

Malú Mestrinho
(em julho/2010)


terça-feira, 19 de abril de 2011

Cantar bem em português, eis o desafio...

"... Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma, 
..."

(do poema "Lingua portuguesa", de Olavo Bilac)


Na Semana da Voz da UFMS, fizemos o recital "Canto brasileiro", no qual comentei sobre a dificuldade, que alguns cantores eruditos tem, de cantar em português. Pensar sobre isso me fez lembrar uma "historinha", que transcrevo a seguir. É fictícia, mas, com certeza algum aspecto corresponde a experiência de vários cantores:

"Canorum começou a estudar canto ainda adolescente. Começou pelos métodos tradicionais: Vaccaj, Panofka, Marchesi. E o repertório, obviamente, eram as "árias antigas italianas". Estudou várias delas e quando já estava um pouco mais adiantado, seu professor permitiu que ele passasse às canções européias: o Lied, a melodie française... Sofreu um pouco com a pronúncia do alemão e do francês, mas, nada que o ideal de ser um grande cantor, não ultrapassasse. A esta altura, já estava apaixonado pela ópera. Assistira a várias, em teatros e em vídeos. Gostava de Mozart e do Bel Canto, mas sua paixão mesmo eram as óperas românticas. Oh Verdi! Oh Puccini!... Alguns anos mais e ele já se sentia seguro com a técnica. Apareceu, então, um desafio a enfrentar: um concurso de canto. Seu professor permitiu e ele se pôs a escolher o repertório. Mas... havia uma exigência que ele não esperava: uma canção brasileira. Que coisa estranha!? E agora? Ja estudava canto há vários anos, mas nunca tinha cantado canção brasileira. Nem sabia que isso fazia parte do repertório do canto erudito! Achou no acervo de seu professor uma pasta surrada com algumas partituras de canções brasileiras. Escolheu uma bem caraterística e começou a estudar. Mas, percebeu que os fonemas da sua própria língua natal pareciam mais difíceis de encaixar na sua "bela impostação lírica" do que os fonemas alemães e franceses. Como era difícil cantar em português! As vogais brasileiras tiravam a profundidade do sua tão arduamente trabalhada e conquistada ressonância. Parecia mesmo que a técnica do canto erudito fora feita para as línguas tradicionais da ópera e não para cantar em português. Canorum, obviamente, não foi muito bem na prova do canto brasileiro."

Como evitar este impasse?...
Trabalhando canções brasileiras desde o início do estudo de canto erudito. Modinhas e canções brasileiras, nacionalistas, românticas e pós-românticas podem ser bem interpretadas e pronunciadas com uma boa impostação. Contanto que, desde o início, o estudante/cantor estude, pesquise e procure perceber e elaborar em seu instrumento-voz uma forma de se expressar bem em sua própria língua. Sem treino, sem trabalho, isso não será possível...

O universo da Canção Brasileira de Câmara é riquíssimo e maravilhoso. Esta parte da manifestação artística brasileira precisa ser mais estudada e interpretada. Deve encontrar lugar de destaque no repertório de todo o bom cantor brasileiro erudito.


Eu, particularmente, amo cantar no meu rude e doloroso idioma...